quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Um pouco mais sobre estrebarias

Se você leu com atenção o texto de domingo passado, percebeu que minha intenção foi leva-lo a refletir na razão pela qual o Senhor nasceu numa estrebaria. Alegorizei, garantindo que a lição mais básica que se pode tirar é que, mesmo que seu coração seja tão humilde - ou sujo - quanto uma estrebaria daqueles dias, o Redentor pode fazer nele morada.

Entretanto, não é prudente a um pastor reformado manter seu rebanho longe dos pastos verdes e das águas tranquilas que são o texto, em si mesmo. A alegoria é útil até certo ponto, mas deve ser usada com cuidado, pois o próximo passo seria: “Eles foram pra estrebaria por que ninguém deu lugar. E hoje? Você está negando lugar ao Senhor Jesus?” Ora, bem sabemos que ele nasce no coração que quer. Ninguém tem a capacidade de ordena-lo que nasça em seu coração. Portanto. Vamos parar com a alegoria por aqui enquanto é tempo.

Voltando ao texto de Lucas - o único a registrar esses acontecimentos - uma leitura cuidadosa nos mostra que ele fala de uma hospedaria: não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lc 2.7). Parece que Belém só dispunha de apenas uma hospedaria. Veja um pouco sobre Belém:

A história registra que Davi suspirou por um gole da água do poço que está em Belém (2Sm 23.15), como se todas as casas se abastecessem de um poço só. O próprio nome Belém deriva-se das palavras hebraicas beith lehem (forno, ou literalmente casa de pão), o que é uma alusão ao costume comum nas vilas pequenas de ter um só forno onde todos aproveitavam a lenha para assar, de uma vez, os pães que cada família preparava. E o profeta Miquéias fala explicitamente de seu tamanho pequeno: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5.2).

Mesmo nos tempos de Jesus, Belém era um povoado. Tanto é que se fosse recensear apenas seus moradores, a base tributária seria muito pequena (pois esse era o objetivo dos censos romanos: estabelecer em quanto se poderia tributar as colônias) então se determinou que todos os descendentes de Judá, que tinham Belém como sua cidade mãe, fossem lá se alistar perante as autoridades romanas.

Portanto, imaginar Belém, nos dias em que Jesus nasceu com apenas uma hospedaria é até admirável. Era de se esperar que não houvesse.

Quanto a hospedaria cheia, não pensemos que estivesse lotada de judeus da mesma tribo de José, mas de soldados romanos que tinham prioridade. Porém, o exército romano era, em quase sua totalidade, constituído de infantaria. Daí os estábulos vazios, ou pelo menos, desocupados o suficiente para que a família de José fosse abrigada neles.

Segundo estudiosos como Richard Lenski, as hospedarias de então, eram construções com apenas um portão e voltadas para um pátio interno. Feitas de madeiras com dois andares, sendo que no superior se alojava o hospede, e sob seus aposentos ficavam seus animais e os servos, naquilo que poderia ser chamado de estrebaria.

Se o andar superior estava ocupado por soldados romanos de infantaria os estábulos inferiores estavam vazios. Portanto, lá alojaram-se José e Maria. E ficaram lá por alguns dias. Talvez semanas, pois o texto diz: “Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.6-7).

A ideia de que a hospedaria ficava junto a uma encosta e seus estábulos em uma gruta, parece ter recebido apoio de Justino (114-165 d.C.) em seu Diálogo com Trifão o que levou Helena, Mãe do Imperador Constantino em 326, a se decidir pelo lugar em que edificou a atual igreja e incrustou no chão uma estrela de prata pretendendo marcar o lugar exato onde Jesus nasceu.

Há mais uma coisa que o texto nos leva a pensar: a ausência de apoio de algum parente. Afinal, eles estavam indo à cidade onde a tribo de Judá, família de José, tinha como sendo sua cidade de início. Pior, estavam indo em uma situação delicada: Maria estava grávida. Será que não encontraram nenhum parente que pudesse abriga-los? Essa questão só pode ser respondida com “não sei”. Porém é a questão que mais depõe contra a ideia de que José era um velho. Pois se fosse velho, as chances de ser conhecido seriam maiores. Mas, sendo jovem e casado com uma jovem - mesmo que de linhagem sacerdotal - mas vindo de uma cidade da Galileia, cheia de gentios, evitada por Judeus mais conservadores, certamente não o conheceriam.

Mas, o que há de importante nisso tudo? É possível destacar algumas coisas, porém vou me ater a uma: Aquele que habitava em luz inacessível, não hesitou em trocar seu trono celestial por um estábulo e finalmente por uma cruz por amor de nós. Nas palavras do apóstolo: “...pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).

Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra à quem ele quer bem!

2 comentários:

Oliveira disse...

Caro Reverendo

Sempre seus textos são um bálsamo.
Gosto de lê-los.
Muito.

A frase que levo como reflexão para os próximos dias é sua e diz "Você mantem seu coração livre dos dejetos do pecado, ou continua obrigando o Senhor a conviver com eles?"

No sermão de domingo, meu pastor saiu com uma explicação para não haver parentes que me surpreendeu, pois não a conhecia.

Talvez os parentes não tenham engolido a explicação de que ela tinha engravidado no noivado por divina intervenção, e ela fosse repelida pela família. José só teria a aceitado por causa do seu senhor, mas os parentes poderiam estar numa fase de rejeição devido a gravidez.

Abraço e Boas Festas!

folton disse...

Oliveira, Eu não havia pensado nessa possibilidade. Mas não seria de se admirar se houvesse ocorrido.

Saudades

Folton