sábado, 26 de julho de 2014

Os Evangelhos e o Jesus histórico

No início do século 20, Albert Schweitzer escreveu um livro que resumia os esforços na busca de quem foi Jesus: A busca do Jesus Histórico. Sempre houve quem duvidasse do que os Evangelhos dizem a respeito de Jesus, mas, naquela época – como acontece hoje – quem duvidava da fidelidade dos Evangelhos inexplicavelmente estava dentro da Igreja!

No mínimo se dizia que os Evangelhos contêm exageros próprios dos devotos, que, ao descrever o objeto de devoção, saem dos limites da realidade e registram demais. Mas, notavelmente a maioria aceitava parte da narrativa! Duvidar do todo é compreensível, mas duvidar de partes e aceitar outras? Como selecionar as partes dignas de crença?

Diziam-se guiados pela razão. Ou seja: acreditavam apenas no que achavam ser razoável. E assim... é razoável que alguém, nascido na Galileia, nos dias do domínio romano, e que, embora tenha sido educado em uma família humilde, torne-se um mestre e chegue a ter discípulos. Mas não é razoável que ele tenha curado cegos de nascença, multiplicado pães, muito menos, que tenha ressuscitado alguém ou a si mesmo. Mortos não ressuscitam!

Partindo da pressuposição de que os mortos não ressuscitam qualquer texto que afirme que isto aconteceu, a priori, é produto de devotos (ou de canalhas).

Esta busca teve então desdobramentos e um deles, o principal, aconteceu com o uso das ideias marxistas de que a chave para o entendimento da história é a luta de classes. O resultado tinha de ser o óbvio: para que a (liderança da) igreja mantivesse seu poder sobre “as massas”, recorreu-se a relatos fantasiosos que têm por objetivo manter o fiel enganado e dependente.

Observe que o pensamento marxista não condena esse expediente como imoral. A condenação é política: os outros não devem usá-lo, mas os defensores das classes mais exploradas (ou seja: eles mesmos) podem usá-lo legitimamente.

Essas duas correntes ainda podem ser vistas hoje: Enquanto uma diz que os evangelhos é uma expressão de devoção e, portanto, cheia de exageros, os outros dizem que os evangelhos nasceram da necessidade das elites para dominar o povo. A primeira nega parte do que foi escrito e a segunda nega o todo.

Então, “Guiados pela razão”, chegaram ao ponto de declarar que apenas quarenta, dentre todas as afirmações feitas por Jesus são, de fato, verdadeiras. Os demais, guiados por Marx, sequer se preocuparam em analisar as afirmativas per se, pois, no fundo, tudo era um “folheto” usado para enaltecer a Igreja como representante de Jesus.

No primeiro caso, se a razão guiou os críticos e os evangelhos apresentam a intervenção divina na história humana, não seria de se esperar que o relato evangélico contivesse eventos que ela não pudesse explicar? A resposta que deram foi peremptória: – Deus (se existir) não entra em contato com o mundo material e os Evangelhos narram o que gostaríamos que acontecesse e não o que, de fato, aconteceu.

Agora, por poucos instantes, admitamos que Deus, de fato existe e quer intervir neste mundo. Não teríamos um relato semelhante com eventos além da explicação racional? O que é peculiar à mensagem cristã é o tipo de relacionamento que Deus estabelece com sua criatura, que rebelde, e sem condições de voltar-se para ele, precisa ser resgatada.

A mensagem dos Evangelhos, portanto, está plenamente de acordo com o que eles se propõem: narrar como Deus interveio na história humana.

Não preciso dizer que isto foi a ruina para a fé de muitas pessoas. Alguns pastores engajaram-se em uma luta contra os próprios ministérios e partiram para o ativismo político. Outros (provavelmente os que classificavam os Evangelhos como exagero de devotos) passaram a se dedicar mais à ação social. O próprio Schweitzer, professor de teologia na Universidade de Strasburgo, depois de um curso de medicina, abriu um hospital na África, onde passou a viver.

O relato evangélico só faz real sentido se for recebido em sua íntegra. O caráter do Senhor Jesus, de tão rico, precisa dos quatro relatos para ser apreciado em sua totalidade. E da apreciação dele depende a solidez de nossa fé.

domingo, 20 de julho de 2014

À mesa com Jesus

Você já reparou a quantas festas, banquetes, jantares ou ceias os Evangelhos narram que nosso Senhor compareceu?

Logo de começo há a festa do casamento em Caná, onde, da água, fez o melhor vinho.

Que alegria deve ter permeado a casa de Lázaro enquanto o Senhor ceava. Ceou lá pelo menos duas vezes: uma quando Marta atribulada com as comidas reclamava de Maria quedada aos pés do Senhor e outra quando Maria o ungiu.

Que clima pesado deve ter se abatido sobre todos quando o fariseu Simão, depois de convidar Jesus pra jantar, o recebeu com desdém. Será que alguém conseguiu comer algo?

Acaso podemos nos esquecer do banquete dado pelo publicano Levi, que, de tão alegre, encheu sua mesa de antigos colegas de profissão? E o que dizer da recepção na casa de Zaqueu, o chefe dos publicanos?

E assim, quantas vezes os Evangelhos nos mostram o Senhor em companhia de publicanos e pecadores – seus doentes que precisavam de médico – e quantas vezes ele foi censurado por isso? Ele mesmo estava cônscio de que o tinham por “glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores”.

Muitas vezes ensinou usando alimentos como exemplos. Com eles explicou que a impureza não está naquilo que entra pela boca, mas no que sai dela.

Prometeu – mesmo sendo Senhor – servir aos servos fiéis o pão dos céus à mesa com Abraão, Isaque e Jacó. Numa de suas parábolas comparou o Reino de Deus a um banquete de casamento e, para ensinar sobre o perigo de se ter o coração neste mundo, contou outra parábola em que um rico satisfeito com sua colheita exorta sua alma: “come, bebe e regala-te”.

Ensinou-nos a dar banquetes a quem não os pode retribuir e criticou os escribas e fariseus por amarem o primeiro lugar neles.

Disse que seu corpo era verdadeira comida e seu sangue era verdadeira bebida, e convidou aos sedentos “se alguém tem sede, venha a mim e beba”. E selou-nos a afirmação “quem de mim se alimenta, por mim viverá” repartindo o pão e o cálice e ordenando-nos a tomá-lo em sua memória, pois aquilo era seu corpo e seu sangue.

Comeu muitos tipos de comida e a preparação de alimentos serviu-lhe de motivo para parábolas. Procurou figos temporãos e conhecia bem as estações da oliveira. Gostava de peixes: multiplicou-os duas vezes, preparou-os na brasa e os comeu com mel. E foi reconhecido pelos dois de Emaús à mesa, ao bendizer o alimento.

Participava das páscoas desde cedo, nas quais se comia desde ervas amargas até um cordeiro assado. E, da última que participou, tomou um pedaço de pão e o último cálice de vinho e, com eles, despediu-se dos seus. Com o mesmo pão e com o mesmo vinho alimentou Judas para sua própria perdição, agravada pelas palavras do profeta: “Aquele que come do meu pão levantou contra mim seu calcanhar”.

A mesa que lhe proporcionava o prazer da companhia trouxe-lhe a tristeza da traição “O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá”. E, na cruz, em vez de vinho, que deixou como recordação de si, e com o qual começou seus milagres, recebeu como bebida o vinagre.

Esse comportamento do Senhor reflete os valores do povo da Antiga Aliança, para os quais muitas bênçãos são tipificadas por alimentos. A própria descrição da Terra Prometida exaltava a quantidade de pastos bons e a exuberância de suas flores. Era como se dela manasse leite e mel.

Aquele que experimentou a alegria do convívio a mesa, é o mesmo que aguarda por nós, para juntos, tomarmos o “vinho novo” que ele espera ansiosamente para nos servir.

Vem logo Senhor Jesus.
 
(Texto publicado originalmente em 27/2/2010)

sábado, 12 de julho de 2014

Johann Sebastian Bach

Não me lembro de quando ouvi pela primeira vez “Jesus alegria dos homens”, mas eu já era adolescente. Fiquei impressionado. Não deixei começar a próxima música. Desliguei o rádio e tentei repeti-la de memória para não esquecer. Tive de esperar mais de ano e ficar acamado para encontrá-la novamente no horário da Escola Dominical em um programa chamado Concertos para a Juventude.

Que obra impressionante. Era tudo o que uma música deveria ser. Eu já estava aborrecido com tantas repetições de músicas sem pé nem cabeça, muitas vezes com letras, no mínimo, ruins. Uma obra feita pra louvar ao nosso Senhor Jesus estava sendo executada por ímpios enquanto, no mesmo horário, o pior tipo de música era usada na Igreja.

Mas, meu contato com Bach rendeu frutos. Já adulto – recém-saído do Seminário – encontrei o Rev. Joaquim Silvério, que também gostava de Bach, e que me presenteou com um disco de vinil importado (caríssimo) do Maestro Leopold Stokovski que continha suas obras mais conhecidas.

No dia 31 de março passado, além do aniversário de nossa Igreja, nos lembramos do nascimento de Johann Sebastian Bach em 1685. Cento e sessenta e quatro anos depois da temporada em que Lutero, refugiado nesta mesma cidade (no Castelo de Wartburg) traduziu o Novo Testamento.

É difícil falar algo sobre Bach que não esteja relacionado com Deus. Era um cristão fervorosíssimo e quase tudo o que ele fez tinha relação com a Igreja. Provavelmente deva haver mais, porém estou me lembrando agora de algumas “cantatas seculares”, entre elas a Cantata do Café, segundo alguns, composta para a inauguração do café (restaurante) de um amigo; a “Oferenda Musical”, presenteada a Frederico II, rei da Prússia (era o desenvolvimento de um tema musical proposto por ele); os “Concertos de Brandemburgo”; a “Arte da Fuga” e o “Piano bem temperado”.

Quem achar que muita, deve se lembrar de que tudo isso é muito pouco diante da quantidade enorme do que ele fez, mas principalmente deve lembrar-se de que, todas essas obras tinham o rigor que ele dedicava à musica para a Igreja. Para Bach, a música deveria, acima de tudo, louvar e Deus e fazer bem ao espírito humano.

Na cidade de Weimar, onde era o Mestre de Concertos, na Igreja Luterana, tinha por obrigação contratual apresentar uma cantata nova por mês além de uma na Páscoa, outra no Pentecostes e outra no Natal. Todas elas eram baseadas no texto bíblico que deveria ser lido naquelas datas. E destaco os oratórios: trechos enormes da Bíblia musicados em uma peça coesa: Paixão segundo São Mateus, Segundo São João, Elias...

Para mim é motivo de grande alegria ouvir sua obra. Especialmente num momento em que nossos ouvidos estão sendo atulhados com tanta música ruim.

Graças a Deus usamos algumas de suas obras no canto congregacional, por exemplo, “Oh! Fronte ensanguentada!”, cuja origem é um hino luterano que foi utilizado no Oratório Segundo São Mateus.

Mas, voltando ao que tanto me fez bem quando adolescente. Hoje, essa peça impressionante é mais ouvida nas propagandas do que nas igrejas. Mudou o gosto do povo – já me disseram. É... mudou mesmo. Mudou pra pior! Mas, por que um publicitário, querendo valorizar seu produto, usa esta peça e consegue alavancar as vendas de, até mesmo, uma margarina?

Roubaram nossos símbolos! Grita o salmista. Nem isso podemos dizer. Não roubaram. Cataram do lixo, em que nós jogamos!

sábado, 5 de julho de 2014

Direita e destra

(Ensaio sobre semiótica bíblica)
 
Desde o tempo dos patriarcas, o Povo de Deus, tinha significados indiretos (que, às vezes, são os mais importantes) para as coisas mais simples Uma delas era a direita.

Com a mão direita Jacó abençoou o filho mais novo de José, e quando este tentou corrigi-lo, ouviu que fazia de propósito.

Quando os sacerdotes eram consagrados o sangue do cordeiro era usado para marcar a orelha direita, o polegar direito e o pé direito deles. A coxa direita do cordeiro sangrado (além de outras partes) era movida diante do SENHOR e queimada em holocausto. Tratando-se, porém de um sacrifício pela culpa, a coxa direita do animal fazia parte da porção que cabia ao sacerdote oficiante.

Moisés, que tinha à sua direita o braço glorioso de Deus e canta que a Lei de Deus está à direita dele. Porém, séculos depois, Jesus garante a seu inquiridor – o sumo sacerdote – que, desde então estaria em tal lugar. E, Davi, Pedro, Paulo e o escritor da Carta aos Hebreus, declararam que, de fato, Jesus estava à direita de Deus; e foi à direita de Deus que Estêvão o viu. Mas, na mão direita de Deus, também está o cálice do qual seus inimigos beberão.

A direita sempre é mostrada como a mão da força e das realizações. O profeta Isaías declarou que Deus promete tomar seu povo com sua mão direita, mas, também declara que Deus tomou a Ciro pela mão direita para os castigar.

O rei Joás colocou um gazofilácio à direita de quem entrava no santuário, e séculos depois, de pé, à direita do altar do incenso, o anjo revelou ao sacerdote Zacarias que ele seria pai de João.

Davi canta que Deus se coloca à direita do pobre. E, Asafe lhe faz coro ao pedir que sua direita seja auxiliada pelo SENHOR, e ao dizer que na direita de Deus colocava sua esperança.

A direita, porém é cobiçada pelos inimigos. Mesmo diante de Deus, Satanás se opunha ao sacerdote Josué postando-se à sua direita. O desejo do salmista é que os ímpios se deparem com um acusador à direita, pois, na verdade, a direita deles é “direita de falsidade”. A besta que emerge da terra marcará, além da fronte, a mão direita daqueles que não são do Cordeiro.

A confiança do salmista em Deus era tamanha que, mesmo com dez mil caídos à sua direita, tinha certeza de não ser atingido.

Pela mão direita, Pedro levantou o paralítico que esmolava à porta do templo, e Jesus levantou João, que caíra por terra ao vê-lo glorificado.

À direita de Jesus ficarão suas ovelhas e lá ouvirão seu chamado. E sua mão direita (a mesma que recebeu o caniço das zombarias) sustenta as sete estrelas e o livro da vida.

Para Jesus é melhor amputar a mão direita do que pecar por ela, e a ofensa à face direita não deve prevenir seu discípulo contra o golpe maior.

Os discípulos, que gastaram a noite em trabalho vão, foram bem sucedidos quando obedeceram a ordem de Jesus e jogaram a rede à direita do barco.

Por sua mão direita o salmista jurou que não se esqueceria de Jerusalém. Deus, por sua direita, jurou que nunca mais daria o cereal de seu povo aos estrangeiros. E, com a mão direita levantada, anjos juraram à Daniel e a João.

A forma sintética “destra”, além da mão direita, refere-se ao que alguém faz com vontade e determinação, também é muito produtiva.

A destra de Deus estendeu os céus e alcançou-lhe vitória. A destra de Deus faz proezas, é gloriosa em poder, é elevada. Apanha e despedaça o inimigo, salva, sustenta e liberta seus amados. Ampara aqueles cujas almas se apegam a Deus. Foi ela quem adquiriu o monte santo, e levou seu povo à posse da terra prometida.

A destra de Deus está cheia de justiça, nela há delícias perpetuamente, há refúgio para os salvos. Porém, o próprio Deus firmou sua destra, como adversário, contra seu povo e os levou para o cativeiro na Babilônia.

Para o salmista a demora em Deus responder dava-lhe a impressão de que ele havia mudado sua destra, ou a conservava em seu seio, mas deseja que ela esteja sobre todos.

Os antigos dirigiam-se a Deus chamando-se de “povo da tua destra”.

A destra dos ímpios está cheia de suborno, mas a destra de comunhão foi oferecida por Tiago, Cefas e João à Paulo.

Depois de ter oferecido um único sacrifício pelos pecados Jesus foi recebido no céu e assentou-se à destra do trono da Majestade. Foi exaltado a “Príncipe e Salvador”, ficando-lhe subordinados anjos, potestades e poderes.