sábado, 4 de outubro de 2014

As Sagradas Escrituras sempre foram claras em falar da natureza heterogênea da Igreja. Por exemplo: "Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; no qual não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos. Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl 3.9-13).
Essas ordens pressupõem a existência de tensões expressas através de mentiras e de malquerenças entre pessoas de nacionalidades (gregos, judeus, citas, que eram originários da Citia, região próxima ao Mar Negro, atual Cazaquistão) e condições sociais diferentes (escravos ou livres).
Isso era consequência da vida que eles tinham antes. Agora, a nova vida em Cristo os possibilita a não mentir e a “vestirem-se” de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e longanimidade.
Dando instruções à seus discípulos, o Senhor Jesus advertiu contra problemas entre os membros da Igreja: “Se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano.” (Mt 18.15-17).
O próprio Senhor sabia que dentro da Igreja surgiriam desentendimentos. Afinal, apenas nosso espírito (que está pronto) foi regenerado. A carne (que é fraca) aguarda a ressurreição. Portanto, na medida em que a carne se sobressai os desentendimentos (e até brigas) passam a fazer parte da vida dos membros da Igreja.
E para resolver tais problemas o Senhor Jesus aponta dois caminhos: arguir o irmão ou denunciá-lo à Igreja.
Essa arguição, preconizada pelo Senhor, pressupõe o desejo mútuo de paz. O errado admite seu erro e o ofendido o perdoa. A frase “ganhaste teu irmão” indica que o objetivo da arguição deve ser positivo (restaurar, redimir) e não simplesmente repreender ou confrontar por confrontar. Certamente o Senhor tinha em mente o mandamento: “Não guardem ódio contra o seu irmão no coração; antes repreendam com franqueza o seu próximo para que, por causa dele, não sofram as consequências de um pecado” (Lv 18.17 NVI).
A recusa do faltoso leva a solução do problema à uma segunda etapa. Desta vez com uma ou duas testemunhas. O texto não deixa claro se o papel das testemunhas será observar e atestar a disposição do ofendido a corrigir o desentendimento ou pressionar o faltoso a admitir seu erro, ou ainda, as duas coisas. O certo é que algo que estava sendo tratado privadamente tornou-se público.
A terceira recusa do faltoso leva o problema a outro foro:  a Igreja. A interpretação imediata é que o faltoso seja denunciado à congregação, porém eu creio que é possível entender-se também à liderança da Igreja. Veja 1Co 6.5: “Para vergonha vo-lo digo. Não há, porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa julgar no meio da irmandade?”. Nas Igrejas Presbiterianas o conselho de presbíteros recebe a queixa e transforma-se em tribunal para julgar o caso.
Finalmente, a quarta recusa do faltoso leva a uma ação drástica. Atualmente há duas interpretações para a expressão “considera-o como gentio e publicano”. A primeira defende que a igreja apenas mude seu modo de tratar com o faltoso: como se ele fosse um descrente. Uma paráfrase bíblica diz: “se ele também não ouvir a igreja, comece do zero, tratando-o como um descrente: alerte-o da necessidade de arrependimento e ofereça outra vez o amor perdoador de Deus” (A Mensagem).
Certamente essa é uma péssima exegese, pois além de introduzir diversos assuntos estranhos ao texto original descaracteriza o que o Senhor Jesus estabelece como uma pena pelas muitas recusas do faltoso.
A segunda interpretação, ao contrário, vê este tratamento como uma pena imposta ao ofensor (seja pela congregação, seja pela liderança), que deve ser observada por toda Igreja.
Ser tratado como gentio e publicano é o mesmo que excluído da comunhão com o povo de Deus.
A existência de conflitos na Igreja nos dá, pelo menos, duas lições: 1) É uma organização de pecadores que procuram viver uma vida cada vez mais santa, e 2) Ela se submete ao seu Senhor. Tanto para dizer quais coisas estão erradas, quanto para resolver o erro.