segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Púlpito deitado

Já haviam me falado dele, mas o conheci aposentado. Aposentou-se e dedicou-se a “plantar” igrejas. De vez em quando vinha passar uns dias com a família e sentava-se nos últimos bancos da Igreja que eu pastoreava. Não demorou muito para que nosso conhecimento se estreitasse em amizade e para que eu o convidasse a expor a Palavra de Deus.

Como era bom ouvi-lo! Os solecismos impostos pela gramática da vida, não eram barreira à exposição do Evangelho. Uma verdadeira correnteza de textos bíblicos ligados com propriedade, beleza e acerto deixavam suas palavras mais doces e mais fortes. Memória prodigiosa: as citações vinham sempre acompanhadas do assunto certo.

Me lembrava muito meu pai, só que era baixo e atarracado, mas tinha um sorriso fácil e palavras suaves. Atendia pelo nome de Fortunato. E apesar de já ter sido ordenado todos o conheciam como Seu Fortunato.

Era viúvo, pai de uma família bonita. Avô amoroso, mas firme. Respeitado por todos. À medida que os anos se sucediam ele vinha, cada vem mais, à capital buscando tratamentos para os males próprios da idade agravados por uma aposentadoria distante dos aposentos.

Conversávamos sobre amigos comuns, textos bíblicos, experiências do pastorado: alegrias, tristezas e cicatrizes.

Finalmente as doenças o retiveram em casa. Depois na cama. Seus filhos se rodiziavam nos cuidados. Uma vez, depois de duas semanas sem vê-lo, ele me disse: “hoje tenho certeza de que não verei mais minha Igreja. Recebi de Deus meu último púlpito: esta cama”.

Até hoje não sei se minhas lágrimas eram de dor ou de alegria. Daquele púlpito deitado ele falou a muitos. Foi amável com alguns e duro com outros. Especialmente duro com os pastores que estavam levando o Rebanho do Senhor para águas turvas e pastos secos.

Depois de alguns meses seu púlpito foi relocado para um hospital. Finalmente o enviado de Deus que aos poucos lhe tirava a lucidez, o levou. Levou sem impedir uma bênção sobre cada querido e um sorriso para mim. Sorriso significador, pois dois ou três dias antes ele havia se despedido de mim com a frase: “nos encontraremos na mesa do Senhor. Espero que ele me dê a honra de lhe apresentar Abraão, Isaque e Jacó, já que eu os conhecerei primeiro”.

Se o céu já era desejado, no ano de 1999 ficou mais.

Hoje sei que não é a aposentadoria nem a doença, nem o hospital, nem qualquer outra coisa que impede o filho de Deus de anunciar seu Evangelho, de elogiar os bons, de repreender os maus e de sentir alegria em meio a dores.

3 comentários:

Alexsandro disse...

Li esse post com lágrimas nos olhos, principalmente por olhar pra mim e ver quantas desculpas eu arrumo pra não me dedicar as coisas de Deus.

Deus o abençõe.

folton disse...

Toda glória seja tributada a Deus, meu irmão. Eu aprendi tanto com o Rev. Fortunato ... as únicas palavras sejam: glóra a Deus!
ab
Fôlton

Anônimo disse...

Tive o privilégio de ouvir, sorrir, chorar e aprender com mensagens de Deus através do seu servo, onde só vim a conhece-lo no "Púlpito deitado". Mas o tempo de Deus é o tempo certo.

Sds.
Paulinho