sábado, 26 de maio de 2012

O Espírito Santo nos capacita entender a Lei

As palavras de nosso Senhor “até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5.18) apontavam para a cruz, pois antes ele tinha sido bem claro: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir” (Mt 5.17). Você já se deu conta de que Jesus estava sujeito à Lei?

Na cruz, ponto central de sua perfeita obediência ao Pai, Jesus cumpriu totalmente a Lei. Agora nada nos separa de Deus. Nem a Lei. Jesus já resolveu esse problema e fez mais: Aboliu a antiga forma de cultuar a Deus, pois era apenas sombra de sua cruz. Então, pela incomensurável graça de Deus, mediante seu sacrifício, os is e os tis da lei já estão perfeitamente resguardados.

Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos? (Rm 6.1-2).

- Se Jesus cumpriu a lei, o que ainda é pecado?

- Transgredir a vontade de Deus ainda é pecado. Por exemplo, voltar ao culto abolido pela cruz é pecado.

- Então, há ordens no Antigo Testamento cujo o cumprimento delas é pecado?

- Sim. E o Novo Testamento nos dá exemplos claros. Veja a desavença entre os apóstolos. Pedro estava pecando não apenas por hipocrisia, mas por tentar impor a cristãos gentios uma dieta judaica e Paulo o repreendeu: “Quando, porém, Cefas chegou a Antioquia, eu o enfrentei abertamente, pois merecia ser repreendido. Porque antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele estava comendo com os gentios; mas, quando eles chegaram, Cefas foi se retirando e se separando deles, por temer os que eram da circuncisão. E os outros judeus também fizeram como ele, a ponto de até Barnabé se deixar levar pela hipocrisia deles. Mas, quando vi que não agiam corretamente, conforme a verdade do evangelho, disse a Cefas na frente de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como os judeus, por que obrigas os gentios a viver como judeus?” (Gl 2.11-14 - Almeida Sec. XXI).

- Como então posso saber o que, do Antigo Testamento, devo me abster e o que ainda representa a vontade de Deus?

- Pelos quatro usos da lei de que falei no domingo passado. O uso cúltico (ou cerimonial) está abolido e voltar a ele é blasfemar contra o sacrifício do Senhor. Os demais usos (o teológico, que nos mostra o quanto somos pecadores; o civil, que está presente nas leis de nossos respectivos países; e o “revelador da vontade de Deus”, que nos ensina o modo como Deus quer que nos relacionemos com ele e com nosso próximo) estão em vigência. Não nos afligem com maldição, da qual estamos livres, mas expressam a vontade de nosso Senhor.

- Mas como saber qual é o uso da lei que determinado texto está fazendo?

- Lendo-o, sob a iluminação do Espírito Santo! Ao celebramos hoje seu derramamento sobre a Igreja, também nos lembramos: “…quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16.13).

Há textos no AT que são muito difíceis. Por exemplo, o capítulo 19 de Levítico, em que todos os usos da lei estão presentes, e a cada ordem repete-se: “Eu sou o SENHOR”.

Os 2 versículos iniciais obrigam à santidade. O versículo 3 obriga a honrar o pai e a mãe e a guardar o dia de descanso. O versículo 4 proíbe a idolatria. Aqui a Lei mostra qual é a vontade Deus.

No versículo 5 até o 8 há uma série de disposições sobre o que fazer por ocasião da oferenda de um sacrifício pacífico. Obviamente já foi abolido, pois faz parte do culto antigo.

Nos versículos 9 e 10 há instruções a respeito de como fazer a colheita de um campo com vistas a beneficiar os pobres e os estrangeiros. Essas disposições estão em vigor, mas incorporadas pelas leis de nossos países.

Os versículos 11 e 12 proíbem furtar, mentir, usar de falsidade com o próximo e jurar pelo nome do SENHOR. Mostram-nos a vontade de Deus.

Dos versículos 13 a 18 vemos uma série de leis cujo objetivo é a boa convivência social: Não oprimir nem roubar o próximo, não retardar o pagamento dos salários. Não amaldiçoar o surdo, nem colocar tropeço diante do cego, mas temer a Deus. Não julgar a favor do pobre, por ele ser pobre, nem atender os interesses do rico por ele ser rico. Não fofocar. Não colocar em risco a vida do próximo. Não compactuar com os segredos pecaminosos do próximo, mas repreendê-lo de modo a não levar seu pecado. Não vingar-se de seu próximo, mas amá-lo como a si mesmo. Novamente a lei está mostrando-nos a vontade de Deus.

O versículo 19 é um mistério. Versa sobre a mistura de animais e sementes de espécie diversa, bem como sobre tecidos feitos com fibras animais e vegetais (lã e linho). Se a razão para não misturar é garantir a higiene dos rebanhos e campos, esta lei está em vigor nas leis de nossos países. Entretanto se a razão foi manter Israel isolado, o que explicaria também a roupa, essa lei foi abolida pela ordem de ir mundo afora. Nossa defesa agora não é mais o isolacionismo, mas a intercessão de Jesus: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”.

Do versículo 20 a 22 há uma disposição sobre a fornicação com uma escrava. O princípio, que mostra a vontade de Deus, continua em vigor: a relação sexual fora do casamento é pecado, mesmo com um objeto de sua posse como eram considerados os escravos naquela época.

Os versículos 23 a 25 apresentam dois usos da Lei: O uso civil: não comer do fruto nos três primeiros anos da planta, e o uso cúltico: entregar as primícias ao Senhor. O uso civil continua em vigor absorvido pelas nossas leis. Sobre a oferta das primícias, que alguns a ligam ao uso cúltico e, portanto, abolida, há discussão: O Livro de Hebreus mostra claramente que a Lei dos Dízimos existia antes de Moisés e hoje entregamos os nossos ao próprio Jesus, a quem Abraão, e todos os Levitas, também os entregaram.

Os versículos 26 a 28 proíbem comer carne com sangue, agourar, adivinhar, cortar o cabelo em redondo, aparar a barba, autoflagelar-se, mesmo em sinal de dor por um morto, ou fazer tatuagens. Certamente todos esses preceitos visavam isolar Israel dos povos ao redor. Parece que apenas a carne com sangue obriga os cristãos quando estiverem em contato com judeus (veja At 15). (Nunca encontrei um observador desse ponto que reclamasse de uma picanha pingando).

O versículo 29 não só é atualíssimo como traz uma advertência sobre a propagação do erro.

O versículo 30 está abolido por seu uso cúltico e Estêvão foi morto por mostrar como a parte final dele tinha sido abolida.

Do versículo 32 ao 34 encontramos disposições sobre os velhos e sobre os estrangeiros. Certamente nossas leis as incorporaram.

Os versículos 35 ao 37 versam sobre o comércio. Mais especificamente sobre justiça nas medidas de comprimento, peso e volume de atacado e varejo.

Assim é todo Antigo Testamento. Demanda um olhar novo sob uma perspectiva nova. Retrospectiva: a partir da cruz.

Não foi sem razão que os apóstolos providenciaram diáconos para atender as necessidades materiais da Igreja. Em At 6.2 eles dizem “Não tem sentido abandonar a palavra de Deus para servir às mesas” e no v4 “nos dedicaremos à diaconia da palavra”. Se o v4 transmite mais a ideia de ensino, o v2 transmite a de estudo. E era isso o que certamente faziam, desde que Jesus lhes mostrou como vê-lo nas Escrituras (Lc 24.44-45).

Façamos o mesmo sob a luz do Santo Espírito.

sábado, 19 de maio de 2012

O Antigo Testamento ainda nos obriga?

Qualquer leitor do Antigo Testamento (AT) dirá que algumas coisas que estão lá ainda são importantíssimas, como a proibição de matar ou de roubar. Porém nem todos concordam que a obrigação de honrar os pais, dizer sempre a verdade e não cobiçar sejam tão importantes assim. E pouquíssimos - talvez apenas os protestantes mais tradicionais - concordem com a importância da proibição do adultério, da idolatria, de se observar o Dia do Senhor, e de não se tomar seu Nome em vão.

Entretanto, até mesmo um protestante tradicional fica embaraçado diante de certos textos.

Dia desses me vi no meio de uma discussão sobre chouriço e galinha ao molho pardo. Meu oponente alegava que além do AT proibir carne de porco e sangue, o parecer de Tiago estabeleceu: “...escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue” (At 15.19-20). O chouriço é feito do sangue de porco e o molho pardo com sangue da galinha que é morta por sufocação.

Que leis nos sujeitam? As leis relativas às vestes? À alimentos? À votos? Não disponho de muito espaço, mas, como exemplo...

1. O AT proíbe o uso de vestes cujo tecido seja produzido com lã e linho (mistura de fibras animais e vegetais), bem como o plantio de sementes híbridas.

2. Quanto a alimentação as coisas são ainda mais complicadas: Só permite comer animais ruminantes de unhas fendidas. Da lista de aves que permite comer deduzo que são vedadas as de rapinas e as que comem carniça. Só é permitido comer peixes que tenham escamas e barbatanas. Surpreendentemente permite comer qualquer inseto da família dos gafanhotos, mas proíbe comer qualquer réptil.

3. Quem toma um voto está proibido não apenas de beber vinho como também de comer uvas e cortar os cabelos.

Será que todas essas leis obrigam os cristãos? Então, que critério se usa para dizer que as outras obrigam e essas não? O parecer de Tiago? É melhor examinar o aspecto geral. E o quadro geral nos mostra as leis sob quatro usos bem delineados:

1º - O uso cerimonial ou cúltico: Destaca-se pelos ritos do culto e pelos costumes cotidianos.

Embora muitos povos possuíssem cultos com sacrifícios, nenhum deles era sujeito à regras minuciosas como as que Deus havia estabelecido, mas conduziam seus cultos pela euforia e pelo êxtase.

E para garantir que o Culto, a Lei e a Linhagem da qual o Messias haveria de nascer, permanecessem intocados pelas práticas dos povos ao redor, Deus estabeleceu as leis dietéticas e comportamentais que garantisse o isolacionamento de seu povo.

A cruz aboliu esse culto juntamente com tudo aquilo que lhe era correlato: sacrifícios e sacrificantes. Por fim o próprio Deus se encarregou de destruir o templo.

Os cristãos entenderam então, que haviam de mudar até o dia da maior celebração: o último dia da semana. E o substituíram pelo primeiro dia deixando bem claro que as sombras acabaram e agora cultuam o verdadeiro.

Com a ordem de Jesus de ir pelo mundo inteiro as leis de segregação estavam também abolidas.

2º - O uso teológico. Mostra o quanto somos pecadores e o quanto precisamos da graça de Deus. Por esta razão que Jesus agravou o sentido da lei ao estabelecer que todo o que intencionar quebrar a lei, de fato já a quebrou.

3º - O uso civil. Devemos sempre nos lembrar de que Israel era um país e como tal precisava de leis. Muito do que Deus prescreveu eram leis civis. Elas não estavam consolidadas em Estatutos e Códigos, mas nelas encontramos o equivalente. Veja exemplos: 1º) Leis referentes a construção: Dt 22.8. 2º) Leis referentes ao comércio: Dt 25.13-16. 3º) - Lei referentes a guerra: Dt 20.5-6 e 10-15, 20.19, 23.9, 24.5. 4º) Leis trabalhistas: Dt 24.14e15 e Lv 19.13: “Não oprimirás o teu próximo, nem o roubarás; o pagamento do diarista não ficará contigo até a manhã seguinte”.

Todas essas leis inspiraram as nossas leis atuais, que refletirão mais ou menos os princípios divinos na medida que lhes forem mais ou menos fiéis. Portanto, devemos obediência a um simples Código de Obras Municipal, em último caso, por ele refletir a vontade de Deus, que tempos atrás, já determinou que nossas casas não podem ser feitas sem qualquer cuidado de segurança.

4º - O uso revelador da vontade de Deus: Se o uso cerimonial (como culto e seus derivados) está totalmente abolido, os outros usos estão em vigor. Porém, é necessário deixar bem claro: a maldição que decorria do não cumprimento da lei caiu sobre Jesus. Estamos livres dela! Surge então o quarto uso da lei: Como filhos que amam a seu Pai buscamos entender qual é sua vontade sobre esses assuntos e a cumprimos com prazer.

Concluindo. Para nós agora está mais do que claro o quanto dependíamos e dependemos de Jesus. Como disse o apóstolo Paulo dizemos nós também: “a lei é espiritual”, pois mostra a vontade de Deus, e o que Jesus fez por nós.

domingo, 13 de maio de 2012

Alegrias no ministério pastoral

Nenhum pastor pode dizer que seu ministério é a razão de uma vida triste. Não pastor de verdade. Que fique bem claro: não somos imunes à tristeza. Ela é bem conhecida de cada um de nós e anda sempre por perto. Porém, o que fazemos nos alegra. Conhecemos momentos de tristeza, mas Deus nos recompensa com momentos de grande alegria.

Lutar contra dificuldades materiais entristece o coração de qualquer pastor. Afinal, como marido e pai, ele deseja que sua família também esteja tão amparada quanto as famílias de seu rebanho. Mas, isso não é o mais importante, pois ele compartilha do mesmo sofrimento que o rebanho. Ou seja: Deus mostra em sua casa, na sua mesa, as necessidades que o rebanho sofre e o torna mais capaz de entender os problemas dele. O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos problemas de saúde.

Assim como ele se entristece por um filho rebelde, ele se entristece também por um ovelha obstinada. A dor que ambos causam é semelhante. Talvez difira em intensidade. Neste aspecto, ensinar, e ver que foi vão, mesmo que o ensino tenha sido recebido com alegria e elogios, é um desses momentos de tristeza. Certamente esse é o aspecto mais doloroso do ministério pastoral.

Obviamente, o texto acima tem uma grande carga pessoal e não sei quantos pastores concordariam com ele, especialmente por que, através do contraste, eu já revelei o que mais alegra um pastor: ver a Palavra de Deus ser posta em prática. E novamente não sei quantos concordariam com isso.

À essas alturas terei de ser mais pessoal, pois nunca me esquecerei de algumas coisas dentre as quais seleciono pouquíssimas:

A Profissão de Fé de minhas filhas, que confirmou o que ensinamos a elas desde o berço certamente é o ponto de maior alegria pra mim.

Mas não posso deixar de falar da alegria que senti no abraço que a Martinha me deu quando eu recebi sua Profissão de Fé. Ela beirava 30 anos, mas era portadora de Síndrome de Down. O Conselho da Igreja percebeu nela uma belíssima fé em Jesus Cristo como seu Salvador. Percebeu também que ela possuía uma clara distinção entre o que era certo e errado, bem como um arrependimento sincero sempre que fazia algo errado. Resolveu convidá-la a publicar sua fé e tomar a Santa Ceia. Ela não gostava muito de me abraçar - dizia sempre que minha barba a espetava - mas naquele dia ela me deu um abraço apertado. Dois anos depois o Senhor a chamou para junto de seu trono.

Nunca me esquecerei de um grupo de onze crianças, entre 6 e 12 anos, que me aguardavam na sala pastoral, sentadas à mesa do Conselho, após o Culto, onde eu ia sempre trocar o manto pelo paletó, reivindicando o direito de ficarem no templo e participar do culto, pois “estavam cansadas de historinhas”.

Mas, esta semana entrou no rol das lembranças, das quais nunca me esquecerei, o gesto de um grupo de jovens da Igreja que estou pastoreando atualmente: Eles se negaram a participar da final de um campeonato por ser disputada no Dia do Senhor! Perderam para pessoas que não achavam nada demais fazer isso em um domingo.

Quando eu soube da notícia, lembrei-me do missionário Eric Lidell, que deixou de correr em sua especialidade nas olimpíadas de 1924 por ser disputada no domingo (maravilhosamente relatado no filme Carruagens de Fogo).

Certamente o troféu que esses jovens receberão, bem como seus conselheiros, que os guiaram bem, será muito melhor do que aquele troféu pífio que deixaram de ganhar, pois antes de serem atletas do mundo são atletas de Deus, e ele é claro em sua Palavra: “...o atleta não é coroado se não competir segundo as normas” (2Tm 2.5).

sábado, 5 de maio de 2012

Salmodia exclusiva

Vez por outra me questionam como mantenho minha confissão de fé reformada sem ser adepto de uma salmodia exclusiva. Pra falar a verdade eu gostaria de ser. Mas não vejo como.

Sei que Calvino contratou um poeta para metrificar os 150 Salmos e sei que a Assembleia de Westminster também o fez. Mas, sem desmerecer esses gigantescos feitos nenhum deles conseguiu reproduzir as melodias.

Mas, antes de falar das melodias há alguns pontos que devem ficar claros com relação às letras:

1º - As metrificações empobrecem os conteúdos e ao tentar enriquecê-los cai-se fatalmente na paráfrase. Correndo o risco de dizer um absurdo: ou se faz uma transcriação poética ou se canta em hebraico, pois metrificação nenhuma conseguirá fazer justiça ao conteúdo de um Salmo. Para isso é que existe a pregação!

2º - Eu não conheço todos os Saltérios existentes, mas tenho acompanhado os esforços feitos em nosso país para se cantar os Salmos e talvez o mais consistente ainda seja “Salmos e Hinos” que metrificou 44 Salmos. Mas, por exemplo, não posso dizer que o texto do Salmo 1 esteja totalmente contemplado em sua metrificação correspondente. Pior: em lugar algum do Salmo se fala da volta de Jesus descendo dos céus, como vemos na estrofe 7 da metrificação. Ou seja: houve mais do que uma interpretação.

No outro extremo pude ver os esforços de Vencedores por Cristo, que anos atrás tentou cantar diversos Salmos, tão fielmente quanto possível fosse à Edição Revista e Atualiza de Almeida, e cito como exemplo o Salmo 145.1-2 que resultou no cântico conhecido como “Exaltar-te-ei ó Deus meu e rei”, que, não sei por qual razão o emendaram com o Salmo 24.7-10: “Levantai ó portas as vossas cabeças”.

Desconheço um trabalho que faça jus integralmente aos Salmos. Note: não estou dizendo que não exista. Mas, aqui entre nós, duvido que se consiga fazer.

3º - A necessária cristianização dos Salmos. Todos os Salmos foram escritos antes da plenitude dos tempos. Antes de nosso Senhor se fazer um de nós. Dificilmente haverá um Salmo que não esteja escrito no tempo futuro ou não manifeste uma intenção ou uma cosmovisão que expresse um Messias esperado. Entretanto a Igreja vive em outra dispensação: Para nós o Messias já veio. Não há mais sentido em cantar “Eu te louvarei Senhor ...”, pois agora já o louvamos. Agora cantamos “Eterno Pai teu povo congregado, alegre entoa teu louvor aqui” ou “Estamos reunidos aqui Senhor por que temos conhecido teu amor”. Agora já cantamos aquele cântico novo que era tão esperado pelos antigos.

Com cântico novo não estou me referindo à forma, mas ao ângulo com que vemos a história. Àquilo que Jesus falou a seus discípulos: “... muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram; e ouvir o que ouvis e não ouviram” (Mt 13.17).

No que diz respeito às melodias, é necessário atender a alguns valores Bíblicos. Um pequeno exemplo: solenidade (Sl 92.3), agradáveis, reverentes e cheias de santo temor (Hb 12.28). Isso contrasta com os valores de muitas melodias atuais, que vão desde a irreverência mais grossa e absurda dos pagodes, funks e raps, até a frivolidade de se cantar algo tremendo como a volta do Senhor (que exige uma melodia pungente) com uma cantiga de roda em “Então se verá o Filho do Homem”.

Por fim, tenho visto um silogismo que alguns atribuem a Agostinho, outros a Calvino e outros a algum teólogo do passado, e até agora não descobrir o verdadeiro autor, apesar de ter pesquisado muito, mas, é mais ou menos o seguinte: “Somente a palavra inspirada por Deus é digna de ser cantada em seu louvor”.

Eu não posso concordar com essa afirmação. Se concordasse eu só poderia orar o Pai Nosso, ou outra oração registrada na Bíblia. Se tenho total liberdade de dirigir-me a ele em oração, com minhas próprias palavras, por que razão devo me ater ao texto sagrado ao cantar? E se argumentarem que ao cantar um hino estou usando as palavras de outra pessoa, replico com Jonathan Edwards: “não é o que fazemos quando acompanhamos a oração de alguém?”

Finalmente, como posso restringir os cânticos da Igreja aos 150 Salmos, se Israel não estava restrito a eles? Você está lembrado do cântico que Deus mandou Moisés compor e que devia servir de memória para as gerações futuras? Não era um Salmo, era o que os hebreus chamavam de “shir” e foi traduzido para o grego por “ode”. Leia Deuteronômio 31 e 32. Pois bem: Esse cântico não faz parte dos 150 Salmos e conhecemos bem o único Salmo de Moisés que está naquela coleção, que é o 90. Entretanto, ele será relembrado por ninguém menos que o Senhor Jesus. Veja Apocalipse 15.1-3. Repito: Coerentemente, o Senhor Jesus está cantando um hino (ode) e não um Salmo (Mizmor).

Concluindo, eu gostaria de cantar mais Salmos. Mas gostaria de cantar também mais coisas boas.