sábado, 13 de abril de 2013

Pastorear

O exercício desse ministério está profundamente enraizado na tradição cultural e religiosa do antigo povo de Deus e, não tenho a menor dúvida, de que Jesus tenha escolhido de propósito a figura do pastor de ovelhas, para que, por sua simplicidade, os primeiros pastores de almas encontrassem claramente, não apenas na cultura, mas especialmente nas Escrituras as diretrizes do que significa ser pastor e legassem um modelo claro de atuação a seus sucessores.

Como pastor perto dos 30 anos de ministério ordenado, percebo que hoje faço muito mais o que as circunstâncias me impõem, e o que minhas ovelhas demandam, do que aquilo que os primeiros pastores me deixaram de modelo e principalmente o que a Bíblia exige de mim. E, tenho certeza, de que outros, como eu, percebem o mesmo.

É claro que sonho com uma reforma (o verdadeiro protestante sempre abriga em seu peito o não conformismo de Rm 12.1-2), mas não é possível fazer como fazemos nos computadores: apertar um botão de reset (ou desligar e ligar). As pessoas não são assim: As mudanças vêm pelo ensino persistente da Palavra de Deus, pela paciência e até mesmo pelos ouvidos moucos com que um pastor tem de receber afrontas.

O que a Bíblia ensina sobre pastores é mais do que um artigo pode comportar, mas, em linhas gerais, partindo da figura do pastor de ovelhas, podemos resumir dizendo que ele é quem cuida de um rebanho.

A ênfase maior que o Antigo Testamento dá nesse cuidado é na alimentação do rebanho, pois a palavra que mais se repete (mais de 160 vezes) tem sua raiz nesse contexto.

A primeira vez que ela aparece é em Gn 29.7 onde é traduzida por alimentar ou por apascentar. Volta a aparecer em Gn 29.9, 30.36, 36.24 e 41.2. E embora se refira a apascentar ou alimentar diversos tipos de animais (poeticamente até gazelas em Ct 4.5) merece destacar que o supremo Pastor tenha por primeira preocupação conduzir suas ovelhas a pastos verdes e às águas tranquilas (Sl 23.1-2).

O uso poético dessa palavra e seus derivados é importantíssimo. Em Pv 15.14 “a boca dos insensatos se apascenta de estultícia”. E o profeta Isaías (44.20) diz que o idólatra “se apascenta de cinzas”. Observe que nestes textos o verbo apascentar pode ser substituído por alimentar-se como a Versão Atualizada fez em Is 65.25. Mas, certamente o uso mais rico está em Jr 3.15: Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência”.

Por falta espaço menciono apenas que outro uso no Antigo Testamento era o domínio dos povos invasores que devoravam as cidades conquistadas (Mq 5.6). Literalmente: se alimentavam delas.

Porém, o que mais me impressiona é ver que uma das funções do rei de Israel era ser “O Pastor de Israel”: Confira o contexto de 1Re 22.17 e 2Cr 18.16.

Não há grandes mudanças no Novo Testamento. O quadro cultural e religioso continua, mas a Igreja introduz um elemento novo: O verdadeiro Pastor, do qual todos os reis de Israel e sacerdotes, eram apenas sombra, torna-se um pastor onipresente por seu Espírito em todos os corações. Porém, a lembrança concreta disso é realizada através da Comunhão dos Santos, em sua Igreja, que deve ser conduzida, por oficiais que recebem a tarefa de pastoreá-la.

Essa tarefa é dada de formas parecidas, mas com nuanças interessantes. Veja algumas:

Paulo dirigindo-se aos presbíteros da Igreja de Éfeso: “Atendei (prosecho) por vós e por todo o rebanho ...” (At 20.28).

Pedro dirigindo-se aos presbíteros de uma região enorme, que equivale atualmente à toda Turquia e a algumas regiões mais ao norte, ordena: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, [...] pastoreai (poimaino) o rebanho de Deus que há entre vós, [...] como Deus quer;” (1Pe 5.1-2).

Por fim veja as ordens que Jesus deu a Pedro: “... perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Ele lhe disse: Apascenta (Bosko) os meus cordeiros. Tornou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu me amas? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Pastoreia (poimaino) as minhas ovelhas. Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta (Bosko) as minhas ovelhas” (Jo 21.15-17).

Temos, portanto, três palavras: Atender (prosecho), pastorear (poimaino) e apascentar (bosko).

Prosecho, além daqui (At 20.28), nas outras 23 vezes que aparece no NT pode ter pelo menos 7 sentidos correlatos: Acautelar-se (tanto da hipocrisia, quanto dos falsos profetas ou do fermento dos fariseus). Atender tanto a verdade como às palavras de Filipe ou às mentiras de Simão, o mago. Ocupar-se de mitos como Paulo proibiu aos efésios e aos cretenses. Dar-se, ao vinho ou aos espíritos enganadores. Aplicar-se à leitura, apegar-se com mais firmeza às verdades ouvidas e atender à palavra profética.

Já poimaino, em suas 11 aparições tem 5 sentidos básicos. Apascentar, como Mateus se refere a profecia de Miquéias, ou o próprio rebanho do qual se nutre. Guardar o rebanho mesmo que se refira a gado graúdo. Alimentar-se como os hereges fazem nas festas de fraternidade da Igreja. Guiar como o Cordeiro fará com os egressos da grande tribulação. E Reger como o vencedor mostrado a Igreja de Tiatira e o cavaleiro que monta o cavalo branco.

Por sua vez bosko é monossêmica e nas 9 vezes em que aparece no NT refere-se sempre a comer. Além de Jo 21.5 os sinóticos falam apenas da manada de porcos de Gadara e da vontade que as alfarrobas provocavam no filho pródigo.

Resumindo: Quando Jesus ordenou a Pedro, quando Paulo ordenou aos presbíteros de Éfeso e quando Pedro ordenou aos muitos presbíteros de um vasto território com muitas nações de culturas díspares (unificadas apenas pela fé cristã e um sistema de governo presbiteriano), estavam dando uma ordem razoavelmente clara: Cuidem, guiem e alimentem o rebanho do Senhor.

Obviamente estes verbos possuem modificadores ou predicados. E cuidar, tanto quanto guiar, ou alimentar, às vezes podem ser literais, para uma comunidade perseguida. Porém, via de regra, refere-se muito mais a necessidades da alma diante da nova fé que abraçaram.

Observe que Jesus toma figuras em profissões simples: Cerca de dois anos antes Pedro e André foram chamado por Jesus para ser “pescadores de homens” (Mt 4.18-19). Agora, Pedro é chamado a ser pastor do “rebanho do Senhor” (Jo 21.15-17).

Eu não estaria totalmente errado se dissesse que pastorear, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, é principalmente alimentar ou conduzir à alimentos. Não foi sem causa que se resumiu tudo na palavra apascentar, palavra derivada do latim pascere: “pastar”.

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