sábado, 4 de maio de 2013

A Palavra e o Espírito do Senhor

Um leitor comum da Bíblia frequentemente se depara com a expressão “palavra do Senhor” e a entende como se entenderia a expressão “palavra do Antônio” ou, no máximo, “palavra do Rei”, uma vez que “Senhor” se refere a alguém com autoridade.

Um leitor mais acostumado com a Bíblia sabe que a mesma expressão (palavra do Senhor) pode se referir tanto ao que foi dito diretamente por Deus quanto aos Textos Sagrados. Ou seja: à própria Bíblia.

Porém, se o mesmo leitor passar a anotar as nuanças de cada texto em que essa expressão é encontrada, aprenderá lições preciosas. Veja:

Primeiro exemplo: Às vezes o que foi dito pelo próprio Deus veio diretamente de sua pessoa, outras vezes através de um intermediário: um profeta.

Diretamente: Temos como exemplo Gênesis 1.1: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz” (que o Salmo 33.6 se encarrega de colocar dentro da expressão que estamos estudando: “Os céus por sua palavra se fizeram...”).

Através de um intermediário: É até difícil de fazer uma lista, pois explicitamente há mais de trezentos lugares em que encontramos algo como “veio a mim a palavra de Deus”, ou “então a palavra de Deus veio a...”. Mas, há um texto interessante que nos mostra o perigo de se ousar dizer o que ele não disse: “Então, veio a palavra do SENHOR a Jeremias, dizendo: Manda dizer a todos os exilados: Assim diz o SENHOR acerca de Semaías, o neelamita: Porquanto Semaías vos profetizou, não o havendo eu enviado, e vos fez confiar em mentiras, assim diz o SENHOR: Eis que castigarei a Semaías, o neelamita, e à sua descendência; ele não terá ninguém que habite entre este povo e não verá o bem que hei de fazer ao meu povo, diz o SENHOR, porque pregou rebeldia contra o SENHOR” (Jr 29.30-32)

Segundo exemplo: Às vezes a expressão “palavra de Deus” designa o próprio Deus, ou um enviado divino, que não há como deixar de concluir que se trate do próprio Jesus antes de sua encarnação.

Certamente você se lembra do diálogo inicial do Livro de Jeremias no capítulo 1. Repare bem nos versículos 4 a 9. O profeta declara: “A mim me veio, pois, a palavra do SENHOR, dizendo: Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações”. Porém, o que é mais notável é que ele continuou argumentando com a “Palavra”. Observe:

Então, lhe disse eu: ah! SENHOR Deus! Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança. Percebeu? Ele chama de “SENHOR Deus” (e SENHOR é a tradução do Nome sagrado de Deus que os antigos não pronunciavam) aquilo de que inicialmente foi dito ser a “palavra de Deus que lhe veio”.

E a réplica da “palavra” é contundente: Mas o SENHOR me disse: Não digas: Não passo de uma criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te mandar falarás. Não temas diante deles, porque eu sou contigo para te livrar, diz o SENHOR. Depois, estendeu o SENHOR a mão, tocou-me na boca e o SENHOR me disse: Eis que ponho na tua boca as minhas palavras Note bem: O SENHOR o repreende, o exorta, o anima, promete-lhe sua total assistência, e – inusitado – diz: “agora coloco minhas palavras na tua boca”.

Percebeu? Jeremias argumentou, com a “Palavra de Deus”, que, por fim acabou colocando palavras em sua boca!

Há muitos outros casos emblemáticos, mas eu não posso deixar de lembra-lo de outro que conhecemos desde nossa infância: o de Samuel. Podemos encontrar sua história no livro que leva seu nome, mas destacarei os eventos do capítulo 3.

Samuel foi fruto das orações de sua mãe que ansiava por um filho. Como prometido, após desmamá-lo o levou para o templo como oferta ao SENHOR. De início o capítulo 3 declara: “Naqueles dias, a palavra do SENHOR era mui rara; as visões não eram frequentes” (1Sm 3.1). Aqui temos o fim do período do Juízes, no qual houve pouquíssimas revelações diretas de Deus (Gideão, Sansão...) e um total esquecimento do ensino da Lei de Moisés, apesar da obrigação dos levitas de a ensinarem as famílias a que se agregassem. O que mais caracteriza este período são as declarações de Jz 17.6 e Jz 21.25: “...cada qual fazia o que achava mais reto.

À noite, ao dormir, o SENHOR chamou Samuel, que imaginando ter sido chamado pelo Sacerdote Eli, seu tutor, foi apresentar-se a ele. O texto explica assim a confusão de Samuel: “Samuel ainda não conhecia o SENHOR, e ainda não lhe tinha sido manifestada a palavra do SENHOR” (1Sm 3.7). Observe que até aqui “palavra do SENHOR” pode ser sinônimo do que se refere o v1: visões. Já que os levitas haviam deixado de exercer a missão que lhes fora designada e a Lei de Moisés sequer era estudada.

Ao ser chamado pela terceira vez, Eli presumiu que Samuel estava sendo chamado pelo SENHOR e o instruiu sobre o que fazer. Ele fez. O que temos é impressionante: “Então, veio o SENHOR, e ali esteve, e chamou como das outras vezes: Samuel, Samuel! Este respondeu: Fala, porque o teu servo ouve. Disse o SENHOR a Samuel: Eis que vou fazer uma coisa em Israel, a qual todo o que a ouvir lhe tinirão ambos os ouvidos” (1Sm 1.10-11). Você percebeu? Veio o SENHOR. Ali esteve e falou com Samuel. Agora por favor. Releia o v7: “Samuel ainda não conhecia o SENHOR, e ainda não lhe tinha sido manifestada a palavra do SENHOR” (1Sm 3.7).

Samuel se encontrou com a Palavra do SENHOR.

A Palavra do Senhor, que cria a luz, os céus e todo o exército deles, (Sl 33.6), que troveja que está sobre as muitas águas, que é poderosa, que é cheia de majestade, que quebra e despedaça os cedros e despede chamas de fogo, faz tremer o deserto, faz dar cria às corças e desnuda os bosques (Sl 29.3-9) e que não volta vazia (Is 55.11)!

A Palavra do SENHOR age. Por isso a chamamos de Verbo (em nosso idioma é a classe de palavras que melhor expressa a ação).

A Palavra do Senhor encarnou-se e foi reconhecida em figura humana. Assumiu nossa natureza. Recebeu sobre si nossas enfermidades e nossa maldição.

Finalmente a Palavra do Senhor não nos deixou órfãos e sem ouvi-la. Inscreveu-se para não ser deturpada e vivifica-se em nossos corações mediante seu Espírito para não ficar na letra morta.

Ao Pai de quem procede a Palavra seja a glória. À Palavra que procede do Pai seja a mesma glória, pois é a expressão exata dele. E ao Espírito, que procede do Pai e da Palavra, e vivifica em nossos corações a obra do Pai e a expressão da Palavra, seja a mesmíssima glória, por toda eternidade. Amém.

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