sábado, 25 de agosto de 2007

Quadro de referências

Nenhum de nós está isento de um quadro de referências. Nenhum de nós pensa ou fala qualquer coisa que já não tenha sido pensada ou falada. Os estudiosos desse fenômeno dizem que nenhum de nós possui a “fala de Adão”. Ou seja: a primeira fala. Porém, nem Adão falou de si mesmo. Falou do que aprendeu do Criador.

Entretanto esse não é o problema em si. O problema está nas fontes em que bebemos aquilo que repetimos. A isso chamamos de “quadro de referências”.

Quem tem por referência um conceito materialista da vida, dificilmente produzirá algo que supere esse nível. Quem foi criado em um ambiente torpe dificilmente se expressará com graça e sobriedade.

Não estou desprezando as qualidades inatas com que a Graça Comum nos afeta, muito menos a ação irresistível do Espírito Santo. Mas isso se dá a despeito do quadro de referências a que fomos expostos.

Não foi por acaso que Deus preparou a cultura em que se revelou. Tudo o que ele nos mostrou de si próprio e de seu modo de agir precisa ser compreendido dentro deste quadro de referências. Por exemplo: Ele usa a paternidade para falar de si: Chama-se de Pai. Porém não se referiu a paternidade conhecida pelos romanos, muito menos a que conhecemos hoje, mas a que era conhecida pelos judeus. Especificamente a que é retratada no Pai da parábola do Filho Pródigo.

Recentemente, do púlpito, um pregador exortava uma igreja a ser responsável, com a seguinte frase: “como disse o Homem-aranha: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Seu quadro de referências é uma história altamente ficcional, para não dizer mentira e engodo.

Nossa Confissão de Fé nos ensina logo em seu Primeiro Capítulo: “... para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo.”

Você reparou?

Primeiramente, as razões, pelas quais, Deus serviu-se da escrita: Preservação da verdade e segurança da Igreja. Em segundo lugar: os antigos modos de Deus revelar sua vontade cessaram.

Será que todos concordamos com isso? Não acredito. Minha experiência diz que poucos concordam (embora muitos tenham jurado diante de Deus e da Igreja defender esta Confissão).

Queremos ouvir, tocar e ver. Porém nunca através de um livro. Como Tomé preferimos perder a bem-aventurança de crer sem ver, mas queremos ver e pegar. E achamos que isso é nobre!

Infelizmente, o quadro de referências em que a maioria de nós foi criado e no qual vive e se expressa, privilegia tais experiências – mesmo que possam ser fraude ou engano – em detrimento da verdadeira Palavra de Deus da qual temos a segurança de ser verdadeira.

Preferimos o risco de um “cipoal de revelações” – na maioria das vezes completamente estapafúrdias, sem sentido, e até contrárias umas às outras – em detrimento da segurança do que Deus mesmo fez escrever com a promessa de ser capaz de dividir nossos pensamentos das nossas intenções e nos ensinar tanto sobre sua vontade quanto sobre nós mesmos.

Tão profunda e atual é sua Palavra que, mais do que a lermos, nós podemos nos ler através dela, mas preferimos receber as coisas prontas e simplesmente engolir, pois outra característica de nosso quadro de referências é não pensar muito. Apenas ver e ouvir.

De todas as coisas vivas se espera algum progresso com o passar do tempo. Dos cristãos hebreus era esperado que, atendendo ao tempo decorrido, fossem mestres. Mas eles ainda se ocupavam com princípios tão básicos que se pareceriam hoje com vestibulandos que não sabem a tabuada.

O quadro de referência deles não era muito diferente do nosso.

Deus tenha misericórdia de nós.

sábado, 18 de agosto de 2007

Presumir

Presumindo que a promessa de Deus demorava, Sara tomou sua escrava e a deu a Abraão, para que, por meio dela, Abraão tivesse seu descendente. Porém, a promessa de Deus tinha sido feita à família verdadeira.

Presumindo que Moisés não voltaria do Monte Sinai, o povo convenceu Arão a fazer um bezerro de ouro ao redor do qual passaram a celebrar a saída do Egito, embora o Senhor tenha deixado claro que fora ele quem os libertou e determinado que esperassem o retorno de Moisés.

Presumindo que, aceitando o holocausto oferecido por seu pai, Deus aceitaria também o que fizessem, Nadabe e Abiú, se atreveram a chegar perante Deus e com outro fogo diferente do que Deus havia acendido no altar ao aceitar o holocausto, embora Deus tivesse deixado claras suas tarefas.

Presumindo que Samuel não chegaria antes que o povo fosse embora – pois já o esperavam há dias – Saul tomou a iniciativa de oferecer holocausto, embora Deus tivesse deixado claro que isso era função exclusiva de seus sacerdotes.

Presumindo-se dono de seu destino, o homem rico da Parábola que o Senhor disse, depois de uma boa safra, decidiu fazer novos celeiros e tranqüilizou sua alma dizendo-lhe: “tens muito em depósito: come, bebe, regala-te”, sem saber que naquela noite sua alma seria pedida.

Presumindo que o pai demoraria a morrer, e sua parte na herança não seria bem aproveitada, o irmão caçula pediu-lhe o adiantamento da partilha, sem considerar que ao gastá-la viria a desejar comer a comida dos porcos e não o permitiriam.

Presumindo que seu Senhor demoraria o “servo infiel” passou a espancar seus companheiros e a comer e a beber com ébrios, embora o Senhor lhe tivesse ordenado que vigiasse.

*

De quantos exemplos ainda precisaremos? Será que não fazemos coisas semelhantes?

Qual Sara, nunca presumimos que as promessas do Senhor carecem de nossa ajuda? Você já reparou como já chegamos a inventar novos textos bíblicos para justificar esse tipo de atitude. Você já deve ter ouvido “faça a tua parte e eu te ajudarei” ou “a bênção dá a quem pede” (sic).

Porventura, nunca adoramos bezerros de ouro ou acendemos fogo estranho diante do Senhor para agradar um povo impaciente de novidades?

Ou nunca decidimos que é melhor contribuir em outro lugar, pois “aqui, meu dinheiro está sendo mal empregado”?

Quantas vezes encontramos mais paz no saldo do extrato bancário do que na Bíblia?

Quantas vezes planejamos nossa vida como se o Senhor nunca fosse nos pedir contas de como administramos aquilo que ele nos confiou?

Dentre as muitas origens dos pecados de cada dia aqui está uma delas: Presumir.

*

Tomamos em nossas mãos as rédeas de nossas vidas, da Igreja e até do culto ao Senhor.

Curiosamente, este pecado, cada dia, é menos notado e odiado – algumas vezes chega a ser considerado virtude – por uma sociedade ávida de resultados.

Hoje, Sara seria elogiada como esposa abnegada. Já escutei sermões elogiando o amor de Sara por Abraão.

Hoje, Saul seria visto como herói. E se você examinar o caso sob a ótica moderna concluirá que ele é um bom modelo de líder: não perdeu a oportunidade ao ver o povo reunido.

Hoje, Arão seria visto como atento às necessidades do povo e preocupado com um culto relevante às massas sedentas.

Entre nós não deve ser assim, Ao contrário “portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” 1Pe 1.17-19.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Em nossos dias

Um dos grandes malefícios que o chamado “Evangelho da Prosperidade” trouxe às verdadeiras Igrejas foi a vergonha ou, pelo menos, o escrúpulo em se falar de questões financeiras.

Eu mesmo tenho grande cuidado em abordar o assunto, pois, via de regra, ele é mal entendido e, especialmente, mal praticado.

Por mal entendido, quero dizer que a Igreja muitas vezes vê a prosperidade como atestado de boa conduta. Ou seja: fulano é próspero porque ele é temente a Deus. Entretanto conheço muitos tementes a Deus que não são prósperos (materialmente falando).

Por mal praticado, quero dizer que muitos membros ainda crêem que a prosperidade é conseqüência de uma relação comercial com Deus. Ou seja: fulano é próspero porque é fiel na entrega de seus dízimos e ofertas. Entretanto conheço muitas pessoas que são fiéis na entrega de seus dízimos e ofertas e não são prósperos (materialmente falando).

Como resolver, ou entender isso?

Não podemos esquecer que a prosperidade, ou o sucesso material, é objeto dos ensinamentos bíblicos, e destaca-se na história do Povo de Deus.

Deus serviu-se da pobreza, ou da riqueza, para conduzir seu povo. Por que razão Jacó e seus filhos, os patriarcas da Antiga Aliança, foram para no Egito? Pela pobreza.

Por que razão Salomão esqueceu-se de Deus? Pela riqueza que possibilitou-lhe levar uma vida dissoluta.

Nos dias antigos era comum, e até incentivado, pedir-se a Deus prosperidade.

Se você observar a oração que Salomão faz quando o templo é dedicado, verá que grande parte dela refere-se a prosperidade. Ele fala de más colheitas, de pragas nas lavouras, de climas adversos, e pede a Deus que abençoe a todo aquele que, premido por tal situação, recorra ao Senhor desde o templo que lhe estava sendo consagrado.

Em um Salmo (144), Davi ora assim:

“Que nossos filhos sejam, na sua mocidade, como plantas viçosas, e nossas filhas, como pedras angulares, lavradas como colunas de palácio;

Que transbordem os nossos celeiros, atulhados de toda sorte de provisões;

Que os nossos rebanhos produzam a milhares e a dezenas de milhares, em nossos campos;

Que as nossas vacas andem pejadas, não lhes haja rotura, nem mau sucesso;

Nem haja gritos de lamento em nossas praças”.

Em nossos dias, embora todos dependam do fruto da terra, poucos trabalham diretamente com ele. A maioria de nós recebe o que a terra produz através do salário que ganha.

Os celeiros de nossos antepassados, são as poupanças e as “previdências” de hoje. Seus rebanhos são as mercadorias que os comerciantes vendem, ou o serviço que os profissionais liberais prestam, ou, ainda, o tempo pelo qual os operários braçais são contratados.

Mas a súplica permanece a mesma: que nada disso seja fonte de lamento. Ao contrário: fonte de bênção para nosso progresso e progresso de nossos filhos e filhas.

Portanto não é errado pedir a Deus prosperidade. Ao contrário: devemos pedir que ele abençoe as obras de nossas mãos. Errado é lutar por ela mais do que o Senhor nos permite. Errado é trocar a prosperidade da alma pela prosperidade do bolso.

Entendendo isso poderemos dizer como João disse a Gaio: “Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma” (3Jo 1.2).

sábado, 4 de agosto de 2007

Idolatria e culto


Eu tinha 9 ou 10 anos quando vi, pela primeira vez, esta figura. Fiquei chocado. As feições destes homens me impressionaram, mas especialmente a de Moisés, que, tomado pela ira, castigava o povo pela idolatria.

Neste desenho Gustave Doré tenta representar Ex 32.19 quando Moisés recebeu de Deus as primeiras tábuas de pedra com os 10 mandamentos, e encontrou o povo dançando ao redor do bezerro de ouro.

Eu não sabia como combinar este tipo de atitude irada, com o que me ensinavam sobre a conduta de alguém temente a Deus. Mas o texto era claro. Moisés estava irado ao ponto de quebrar o único exemplar de algo escrito diretamente por Deus e depois determinar a morte de cerca de 3 mil homens.

Quando eu perguntava a alguém as explicações eram semelhantes: “isso era próprio do Antigo Testamento, mas agora é diferente”.

No Seminário, com melhores ferramentas de interpretação, foi que percebi a falácia dessas explicações, pois há um evento semelhante no Novo Testamento: Cristo purificando o templo.
Tal qual Moisés, Jesus irou-se também. Veja o relato de João: Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os seus discípulos de que está escrito: O zelo da tua casa me consumirá. (Jo 2.13-17 )

O que há de comum entre os dois casos é a idolatria associada ao culto. No Sinai, impacientes com a demora de Moisés fizeram um Deus segundo bem entendiam e de acordo com sua própria idéia do que Deus era. No templo aproveitavam-se do culto estabelecido por Deus para lucrar.

São duas das muitas faces que a idolatria tem. E são as mais visíveis hoje: os que inventam cultos à seu bel-prazer e os que se aproveitam da credulidade dos que pensam adorar a Deus.
Moisés não tolerou no Sinai, nem Cristo no templo. Nos dois casos a ira santa do Senhor puniu os idolatras, ele mesmo diz: “não tolero iniqüidade associada a ajuntamento solene”

Que tal nunca nos aconteça.