domingo, 28 de julho de 2013

Pecado

O que é pecado? O Dicionário Houaiss define assim: Substantivo masculino (do latim peccatum), que possui os seguintes sentidos: 1) violação de um preceito religioso; 2) Derivação por extensão de sentido: desobediência a qualquer norma ou preceito; falta, erro. 3) ação má; crueldade, perversidade; 4) o que merece ser lastimado; pena, tristeza; 5) estado em que se encontra alguém que cometeu um pecado. O Aurélio não difere muito: acrescenta apenas como derivação por extensão: Falta, erro, culpa e vício.

Nos últimos séculos essa palavra teve seu sentido cada vez mais abrandado: um crime ou transgressão contra o próximo, hoje é visto como infinitamente mais grave do que um pecado, que ofende a Deus.

Se examinarmos mais tecnicamente, encontraremos: nos documentos da Igreja, especialmente nos Catecismos que expressam a Fé Reformada, a reiteração de que pecado é transgressão da Lei de Deus.

Se examinarmos a Bíblia encontraremos algumas palavras cujos campos semânticos nos fazem ver melhor os valores que estão envolvidos.

A palavra mais usada no AT é hatah que literalmente significa “errar o alvo”, o que fala bem da situação de nossos primeiros pais, que foram feitos para uma coisa e acabaram em outra (aliás é bom frisar que todos os sacrifícios levíticos eram consequência de hatah. A segunda palavra mais usada é Peshah, que está dentro do campo semântico de “transgressão ou rebelião” e é usada contra indivíduos, contra o Povo de Deus e contra o próprio Deus. Outra menos usada é awon, que literalmente significa “vaidade, no sentido de ser vão, vazio, nada”. Já rasha é traduzida por “maldade e inquietação” (característica de quem está longe de Deus). Ma’am evoca “prevaricação ou omissão”. Aasham exprime “culpa que demanda punição ou expiação”.

No NT a palavra mais usada é hamartia, que no Grego Clássico, semelhantemente ao AT, tem como sentido básico é “errar o alvo” ou “ser incompleto”. Porém, no Grego Koiné (em que foi escrito o NT) sem desprezar o sentido do Clássico, seu significado é muito mais profundo, ao descrever um estado. 1) É universal: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23); 2) Submete o homem (no sentido de torna-lo seu dependente ou seu comandado): “mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7.23). 3) Pior! Faz do homem um escravo: “Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.38).

Menos usadas são: 1) adkia, que sempre descreve o estado do homem como devedor da justiça; 2) Parabasis, que está sempre relacionada a transgressão; 3) Paraptoma, que está sempre relacionada com cair, fracassar ou perder o caminho.

Por essas significações e muitas outras, que não cabem aqui, é que a teologia cristã reformada afirma que pecado não é apenas o ato errado e isolado que se comete, mas é principalmente um estado em que se encontra o gênero humano, e que o impulsiona irresistivelmente a cometer os atos errados do dia a dia, sejam eles uma simples palavra falsa ou a maior de todas as maldades, pois ambos terão origem no mesmo lugar: o estado pecaminoso do homem.

A teologia então cunhou o termo “totalmente depravado” para descrever o estado do homem depois da queda, onde “totalmente” deve ser entendido mais no sentido extensivo do que intensivo – pois ainda sobrou alguma coisa de boa no homem, uma vez que a imagem de Deus não foi totalmente apagada nele, e sim extremamente deformada – ou seja: em todas as partes que compõem o homem: seu corpo, mente, afeições, comunicações, imaginação, criatividade, etc. o pecado domina.

Criado perfeito, ele desobedeceu conscientemente uma ordem totalmente possível de ser cumprida, dada pelo Criador: abster-se de uma simples fruta que Deus tinha reservado para si. Isso levou a uma mudança total de estado em que não pode mais ser um instrumento dócil nas mãos dele. Pelo contrário: rebelou-se. E a descrição bíblica que é feita deste rebelde aos olhos de Deus é de um morto: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2.1).

Geralmente só nos damos conta de nosso pecado, quando pensamos na solução de Deus para ele: A morte de seu Filho. Que solução mais drástica poderia haver? Que situação pior poderia nos atingir? Alguém já disse que até no inferno se vê a glória de Deus, pois lá sua justiça está presente, mas no pecado a única glória – se houver – é a do homem, pois nele Deus não pode ser visto e para removê-lo foi preciso que seu Filho assumisse a pena a fim de que aqueles que andavam no escuro vale da sombra da morte vissem novamente a glória de Deus.

Agostinho descreveu com maestria por que pecamos hoje: “Nas imediações de nossa vinha, havia uma pereira carregada de frutos, que nem pelo aspecto, nem pelo sabor tinham algo de tentador. Alta noite – pois até então ficaríamos jogando nas tavernas, de acordo com nosso mau costume – dirigimo-nos ao local, eu e alguns jovens malvados, com o fim de sacudi-la e colher-lhe os frutos. E levamos grande quantidade deles, não para saboreá-los, mas para jogá-los aos porcos. Embora comêssemos alguns, nosso deleite era fazer o que nos agradava justamente pelo fato de ser coisa proibida. Aí está meu coração, Senhor: meu coração que olhaste com misericórdia quando se encontrava na profundeza do abismo. Que este meu coração te diga agora que era o que ali buscava, para fazer o mal gratuitamente, não tendo minha maldade outra razão além da própria maldade. Era hedionda, e eu a amei! Amei minha morte! Amei meu pecado, não o objeto que me fazia cair, mas minha própria queda. Ó torpe minha alma, que saltando para fora do santo apoio, te lançavas na morte, não buscando na ignomínia senão a própria ignomínia” (Confissões II, 4).

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